Dois dias depois de ter sua prisão preventiva decretada, João Teixeira de Faria, que chegou a ser considerado foragido da Justiça, se entregou à Polícia Civil de Goiás em uma estrada de terra perto de Abadiânia. Acusado de abuso sexual por mais de 300 mulheres, o médium mundialmente conhecido como João de Deus foi levado para a sede da Delegacia de Investigações Criminais (Deic), em Goiânia, para prestar depoimento.
No momento da rendição, o líder espiritual, que nega os crimes, afirmou à “Folha de S.Paulo” estar se entregando “à justiça divina e à justiça da Terra”. Segundo seus advogados de defesa, o local da rendição foi escolhido para “preservar a segurança” de seu cliente e a integridade das pessoas envolvidas na negociação.
João foi interrogado por cerca de quatro horas por 15 casos investigados pela polícia; ele negou todas as acusações. Em seguida, foi levado ao Instituto Médico Legal, para fazer exame de corpo de delito. O líder espiritual passará a noite do núcleo de custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, em uma cela de 16 metros quadrados com três detentos e, segundo o G1, só poderá receber visitas daqui a 30 dias.
A defesa do médium afirmou que entrará hoje com pedido de habeas corpus em favor de João de Deus. Em entrevista coletiva, o advogado Alberto Toron pediu “um mínimo de sensibilidade” e disse que seria “justo” que o líder espiritual tivesse direito a prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica.
— Prisão preventiva não é prisão para punir. O princípio é evitar fugir, ameaçar testemunha, evitar que delitos ocorram. Colocar em casa com uma tornozeleira impede novos delitos. A vigilância evita qualquer hipótese de fuga — defendeu Toron.
Sobre as acusações, o advogado afirmou não conhecer ainda todos os depoimentos, “e para fazer a crítica é preciso estudá-los”.
— Precisamos ter tempo para conhecer todos. O Seu João nega as acusações, e nós, com o tempo, vamos poder ter certeza para dizer realmente o que aconteceu. Em respeito a essas mulheres, temos que fazer investigação — afirmou. — À medida que os fatos forem sendo apurados, com as pessoas sendo ouvidas com o crivo do contraditório, vamos poder ver se aquilo tem consistência.
Sobre a demora para que o cliente se entregasse à polícia — o mandado foi expedido na última sexta-feira —, Toron afirmou que “queríamos garantir as condições carcerárias dele para que (a rendição) fosse feita com segurança”.
Ainda segundo Toron, João de Deus, de 76 anos, no momento em que se entregou, estava “muito branco, pálido, não comeu”. “Há todo um cuidado para se evitar um mal maior.” O advogado pediu ainda “um pouco de calma para não fazer um linchamento”.
Questionado sobre as movimentações financeiras de R$ 35 milhões que João de Deus fez em suas contas desde a última quarta-feira — informação repassada aos investigadores do caso pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e revelada pelo GLOBO anteontem —, Toron defendeu que “ele apenas baixou as aplicações”.
O advogado negou que o médium, “com a saúde comprovadamente delicada”, tivesse a intenção de fugir do país com o montante. Segundo os investigadores das forças-tarefas que atuam no caso, a movimentação milionária nas contas e a suspeita de ocultação de patrimônio aceleraram o pedido de prisão preventiva, feito pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de Goiás.
Modus operandi comum
O diretor-geral da Polícia Civil do estado, o delegado André Fernandes, disse que os investigadores ouviram “15 depoimentos consistentes e precisos, de mais de duas horas, com todos os detalhes e circunstâncias” dos abusos, revelados inicialmente no último dia 8, pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo.
— Chama a atenção a singularidade de comportamento. Há um modus operandi comum traçado por diversas vítimas que não se conhecem — disse o delegado.
Fernandes defendeu o sigilo nas negociações para a apresentação voluntária do médium. Segundo ele, o caso tem repercussão internacional, por isso a polícia agiu sem fazer alarde.
Em São Paulo, um dos estados que colaboram com as investigações centralizadas pelo Ministério Público de Goiás, a promotoria levantou a suspeita de que funcionários do centro onde João de Deus atendia desde a década de 1970, a Casa Dom Inácio de Loyola, tenham sido coniventes com os abusos sexuais.
Ao menos dez mulheres ouvidas pelo Ministério Público de São Paulo afirmaram que um grupo de funcionários do médium sabia dos abusos cometidos durante as sessões espirituais em Abadiânia. Os depoimentos estão dando suporte às investigações em Goiás.